quinta-feira, 27 de setembro de 2012


Yang

Parte de mim que estava
Escondida no além do ser
Estava congelada,
Alma que se plasmou em minha estrada.
Face negra que faltava em mim.
Todo o meu querer a mais
Que eu não podia transbordar
Que eu sabia que existia
Mas se encoquinhava
Perto das moquecas
Nunca antes postas ao fogo.
Pois era chegada a sua hora
De se pôr à mesa.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A vida é uma entidade independente. Existe sem nós, antes de nós, antes de tudo. Nós somos serviçais da vida. Somos meio de transporte, um depósito, um lar temporário.Temos obrigações para com ela e as cumprimos inevitavelmente. Ao nos entendermos donos das "nossas" vidas, esforçamo-nos por mantê-las, sem saber que estamos cumprindo o papel que ela sutilmente nos impõe. Somos peças de um laboratório. Talvez a vida queira encontrar seu invólucro ideal.
Dessa forma,  a vida só é interessante para ela mesma. A vida não nos interessa. E só se fará interessante, se nos fizer sofrer, se nos fizer penar, se nos fizer escapar à constância. Não haveria prazer à vida se nós conseguíssemos tudo o que desejássemos, se fossem simples as realizações, se todos se compreendessem perfeitamente, se descobríssemos todos os segredos do universo, se a paz reinasse, se tudo se encaixasse maravilhosamente, se o amor encontrasse facilmente sua plenitude, se chegássemos rapidamente à felicidade.
Se assim fosse, a vida não precisaria nos usar em seu laborioso intento de descobrir sua composição mais orgânica. Portanto, para nós não há grande diferença em sofrer ou não sofrer, afinal não seríamos nada mais sem a vida. Não teríamos utilidade alguma.


Escurecendo

Irá escurecer
Por menor que seja
A velocidade rotativa
da terra,
Irá escurecer.

Irá escurecer
Por desleixo, por vontade
Por velhice, por maldade
Com certeza e sem piedade,
Irá escurecer.

Irá escurecer
De dia
Ou mesmo à noite
Escancaradamente
E de açoite,
Irá escurecer.

Irá escurecer
Por maior que seja
O medo
E o afã do inverso,
Irá escurecer.

Irá escurecer
Antes que eu queira
Ou depois do que eu espero
Por força da razão
Em razão de algum mistério,
Irá escurecer.

A cada passo lento
A cada fim de verso
Já vai escurecendo
E eu nem me despeço.

domingo, 16 de setembro de 2012


O Pássaro

(A Natássia Guedes)

Estava eu a caminhar distraído
Com pensamentos soltos ou perdidos
Eis que surge um lindo pássaro
E, como quimera, faz em mim seu pouso
Tudo então se renova, transforma, colore
Se havia dor, se dissolve
Se me sentia pesado, torno-me leve
Leve como o pássaro
Então, a cada dia, sinto mais vida
Na companhia do pássaro
Qualquer tristeza é esquecida
Ele faz sorrir minha boca
Brilhar os meus olhos
Balançar minha razão
Corar minha face
E pulsar meu coração
Todavia, por vezes,
Penso se o pássaro não é ilusão
Pois não o tenho no tato
Procuro sua matéria, não acho
Aqui está, só em percepção
Mas sei que é, de fato, real
Pois, com sua chegada,
Passei a andar mais atento
E, na próxima passada, apanhei uma pena
Que estava caída ao chão.