sábado, 12 de fevereiro de 2011

Paradoxo



Estou convencido de que não nos somos, em sociedade, verdadeiramente, a todo tempo. Ainda que alguém teime afirmar-se como integralmente transparente, prossigo com a tese de que ninguém se mostra por inteiro. Parece constatação óbvia, porém admiti-la não parece coisa das mais naturais em nosso meio.
A personalidade humana possui recantos que são pouco visitados ou até inabitados. Há sempre um pedaço nosso que não conseguimos enxergar, logo não podemos revelá-lo ao outro.
Os momentos de auto-encontro talvez consigam uma boa proximidade daquilo que se pensa ser a transparência. No entanto, estes instantes são uma parte dos culpados pela existência inexorável da omissão que persegue nosso ser.
Ora, por que cargas d'água temos que nos descobrir totalmente para os outros? Quem nos colocou essa exigência? Não prego a falsidade, pois esta se vale da disfarçatez, enquanto concebo como inerente ao verdadeiro ser a omissão, que, por sua vez, está bem distante do ser falso. 
Por isso, encaro como imanente ao nosso espírito o fato deste não ser inteiramente revelador, visto que, para conseguir ser verdadeiro, ele necessita esconder-se em parte.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Janela




Nada melhor do que reaprender a ver, ou melhor, a enxergar a vida. Passamos por diversas fases, cultivamos diferentes "estados de espírito", nos posicionamos em distintos mirantes durante toda nossa caminhada. Cada um desses estágios encerra ao menos um olhar sobre o mundo.
Por alguns momentos, eu me sentia simplesmente feliz por ser criança, rir à toa, não ter compromissos, brincar com a terra das ruas e descobrir, principalmente, descobrir novas coisas.
O conhecimento me fazia e ainda me faz muito feliz. As pequenas descobertas representam grandes felicidades. Aprender a ler, por exemplo, foi, para mim, como nascer de novo. As pequenas felicidades, na verdade, são imensas. A simplicidade dos instantes em que elas surgem é que nos dá a impressão de miudeza. 
Mas, em meu íntimo, hoje, uma grande pequena felicidade é ver o sorriso sincero de alguém, é fazer o bem e ser recompensado apenas com a alegria do outro, é encher os olhos d'água e sentir-me bem, é conquistar novas amizades, conversar com um estranho como se o conhecesse há anos, é encantar-me, ainda que vivendo nesse turbulento mundo.
Diante da minha janela se plasma a alegria de poder ver e rever a vida.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Andar




Para livrar logo em breve
Firmando um segundo
Escorregando de leve
Caindo profundo
Riscando o mundo
Deixando sujeira
Carregando poeira
Marcando a terra
Pedindo passagem
Abrindo caminho
Tocando o chão
Chutando o vento
Eles vêm e vão
Viajam lentamente
Por pedaços de imensidão
Meus pés quando saem do chão


(O poema se completa ao ser lido também de baixo para cima)

César Cunha              05 de julho de 2006

Aurora



Bom mesmo é poder recomeçar. Isso é o bom da vida. Nada como a maravilha do nascer do dia. Recomeçamos a cada subir do sol lá no liso do horizonte. Temos sempre a liberdade de fazer, o poder de fazer, ainda que, por vezes, não devamos fazer. No fundo, não existem leis de espécie alguma. A verdade é aquilo em que se acredita.
Acordar, ir até a praia, andar, sentar na areia e olhar para o mar, começar o dia com alguma nova decisão... Uma mudança, uma tão temível mudança. Porque não? Parar de fumar, ser mais tolerante, menos impulsivo, iniciar um bom período de estudos para um determinado fim, almejar, organizar, direcionar...
O amanhecer traz ordinariamente algo de novo. Cada minuto é uma novidade, apesar de pensarmos ter planejado tudo. Até podemos planejar, mas acontecimentos são acontecimentos. São livres, externos.
Bom mesmo é poder se apaixonar uma vez mais, após ter sofrido dolorosa decepção. Esta é nada mais que o malogro das persistentes expectativas.
Bom mesmo é conhecer alguém mais ou descobrir num conhecido coisas admiráveis, que jamais tivera a oportunidade de apreciar. 
Bom mesmo é morrer toda a noite e encher-se de vida a cada novo brilho do sol.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

É o que só lhe dão

                   


Todo homem é, antes de tudo, um solitário
Uns fazem o tipo angustiado, outros o deprimido
Alguns viram conchas, uns refugiam-se na excentricidade, outros preferem o alheamento
Muitos fingem normalidade, poucos, corajosos ou extremos covardes, rendem-se e sofrem até o fim
Boa parte até casa-se, mas não larga o habitual exercício da solidão
Os bons atores vendem-se como “Dons Juans”, encenam seus atos em praça pública e depois choram ao primeiro cerrar das cortinas
Os mais fracos não desperdiçam uma oportunidade de demonstrar toda sua carência inextinguível; e aqueles ainda mais fracos, de se flagelar
Não raro, se vê um que dissolve tudo em uísques ou similares
Há até os que se acalentam com a persistência do sonho irrealizável: o fim do fim de quem ama
De certo, há também o que escreve poemas durante a madrugada; o que canta no chuveiro; o que sempre viaja, a fim de compensar com “amizades” efêmeras e fotográficas; o que vira padre; o que toca violão; o que tenta suicídio, nunca para morrer, é claro; o que vira executivo e enlouquece de vez; o que extravasa nas cores de uma tela; o que acaba mendigo
Também há de se encontrar o que compra horas de satisfação carnal; o que se dedica, como que inevitavelmente, a obras benemerentes e há aquele que...
Enfim, há tantos e, tantos quantos forem, haverá suficientes estratagemas que jamais conseguirão desfazer tal situação.
Os ponteiros marcam: uma hora e vinte e cinco minutos da manhã de mais um dia.
                 

sábado, 29 de janeiro de 2011

Em Branco






Que é saber viver? Quais são minhas possibilidades? O que posso fazer? O que não posso? Se ao fazer sinto-me bem, porém depois sofro por ter feito, isso é bom ou não? Onde se guarda a lista dos preceitos morais da vida humana? Por que ela nos é tão vacilante? Como saberei quando estou dando passos em falso ou quando estou pisando firme? na verdade, qual é o meu itinerário? O mundo me dá pistas? A que leis obedece o meu viver? Como saber se sei? Como desvendar os sinais diários de vida?
Há uma dupla ou, talvez, múltipla presença de personas em mim. Uma me eleva transitoriamente a alucinações prazerosas e angustiantes; outra me imantiza  ao solo, me equilibra em meio a tantos conflitos internos.
Como achar a interseção? Será isso saber viver? Pouca e intensa é a vida. Pouca é a nossa sabedoria para decifrá-la. Carrego os dias como embrulhos que preciso entregar nalgum destino. Não sei de sua essência, só transporto sensações. Observo e escuto o mundo. Ele está a todo vapor, girando intermitente a conceder desafios perenemente. Talvez vivamos num eterno lusco-fusco. É preciso aprisionar os átimos luminosos, fazê-los correr por nosso sangue, nossas mentes, acumulá-los para compensar os blecautes. Como combater meus pontos fracos? Como consumir meus desesperos sem desesperar-me?
Não me avisaram nada quando cheguei aqui.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Purificar






Bom mesmo é quando conseguimos externar nossas emoções no instante mesmo em que elas se instalam. Tive, há pouco, belas contemplações, agora meu coração já está amainando, mas conservo ainda algumas fagulhas que dispersarei.
Parece que hoje o sol sorriu pra mim e uma leveza diurna me arrebatou.
Sol a pino, um bêbado levou uma garrafa de água até o alto da cabeça e se refrescou no meio da praça de Itapuã. Não sei se sua intenção era se lavar, mas acredito que aquele ato, ainda que ele não tenha consciência disso, é simbolicamente um meio de purgar sua alma. Ainda que não tenha algum sentimento de culpa, remorso ou coisa parecida, a água sobe o sol inclemente é conotação de bem-estar. 
Não importa mais o que fez tal homem da sua vida para estar ali, em meio aquele grupo de outros beberrões da cidade. Importa é a alma que aquele homem carrega pra lá e pra cá, todos os dias, fustigando-a com uma vida insípida e sua, tão somente sua. 
Naquele instante, o que me veio a mente foi olhar para o céu e pedir a Deus, crendo ingenuamente ser lá sua moradia, não relegar esse tipo de gente, que, por mais erros que possam ter cometido, têm ainda a vontade esquecida de lavar sua alma.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Lost





Hoje estou a ver navios. Escandalosamente sem rumo. Me sinto contraditoriamente atribulado e impotente.
Há tempos caminho de olhos vendados. Não sinto o chão. Estou cansado de tanta iminência de nada,
da ausência de setas, dessa névoa que me embaça a visão.
Existem, após o horizonte, turvas possibilidades, mas não as alcanço, parecem miragens. Quando penso
tocá-las, elas escorrem sorrateiramente para manter minha paralisia de emoções.
Sumiram-me os desejos, apagaram-se as chamas de ânimo. Por um longo tempo, pareço estar desprovido
de ânima
Esvaíram-se as energias, empalideceram-me os dias, sinto, amiúde, minha mente vazia.
Já estive tão sobrepujado de vontades, desafios, idéias, sonhos, intenções...
Outros tempos...
Hoje me sinto como o eu poético de Arnaldo Antunes, a pedir socorro:
"Uma emoção pequena, qualquer coisa
Qualquer coisa que sinta.
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva..."

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Cascas de Banana

Aquilo que escapa à normalidade (o que vem a ser isso?) das coisas é tido, no mínimo, como engraçado. Em alguns casos, esquisito, abominável ou somente vexatório. Há situações nas quais nos envolvemos despretensiosamente, sem saber que seu desenrolar poderá ser agudamente constrangedor. Alguns as chamam de "micos". Prefiro achar que são descaminhos fundamentais ao desafio de ver mais um nascer do sol. Eis algumas dessas situações:

Não passava dos meus dez anos, morava com minha avó. Certa feita, ela me mandou ao mercado comprar um coador de café, daqueles tradicionais, feito de pano. Encarreguei-me da empreitada e segui despreocupado. Voltei para casa sem o tal coador. Inconformada com tal situação, na qual ela não acreditava (como não haveria coador naquele mercado?), mandou-me de volta ao tal estabelecimento. Procure direito, disse ela. Passei os olhos atentamente sobre toda a seçao de utensílios domésticos e nada. Vasculhei todo o mercado e me convenci de que ali não havia coador de café, ora essa! Foi então que, apenas para desencargo de consciência, resolvi perguntar a uma funcionária do mercado sobre tal produto. Não demorou um minuto e ela voltou com o bendito na mão. Eu tinha visto aquele utensílio, mas, em hipótese alguma, aquilo me pareceu um coador. Não era igual ao que eu via em casa. Daquela cor? Não sabia eu que, quando novo, o coador é branco.


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Ainda em minha meninice, gostava muito de jogar bola no meio da rua, em frente a minha casa. Jogava a qualquer hora do dia ou da noite, isto é, sempre que podia. Numa dessas noites, estava eu no auge de um jogo, quando ouço minha avó (novamente ela) me chamar. Pediu que eu fosse até a igreja levar um recado importante para uma das freiras, amiga da família. Era horário de missa. A igreja estava quase cheia. Cheguei à porta exatamente quando estava se formando a fila para a Comunhão. Havia pouquíssimo tempo que eu tinha aceito o sacramento da Eucaristia. Para menino com pouco tempo de comunhão, hóstia é símbolo de status. Não titubeei, entrei na fila. Não assistira a missa, estava sujo dos pés à cabeça e visivelmente suado. Mas eu, naquele instante, provavelmente acreditei que ninguém me notaria, apesar de perceber todos os olhares que se voltaram para minha figura inusitada. O padre, não sei porque cargas d'água, não negou-me a hóstia. A recebi e fui direto para o canto da igreja onde estava a freira. Preciso falar com a senhora, eu disse. Eu também preciso muito falar com o senhor, rapazinho, respondeu, me puxando para a sacristia pelo braço. Discorreu um sermão de quase meia hora sobre a importância do sacramento da Eucaristia, sua ritualidade, seu significado cristão e coisas afins. Saí de lá com um nó na garganta e acabei esquecendo de dar o recado de minha avó.

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A confusão de pessoas não poderia faltar. Estava eu no portão de casa (mais uma vez, na mesma época da infância), quando avistei num bar, a uns vinte metros, um rapaz de costas, muito, muito parecido com um irmão meu, o qual não via há bastante tempo e do qual eu sentia muita falta. Depois de analisar uns segundos, conclui (apesar de achar improvável) que aquele sujeito era de fato o meu irmão.  Caminhei até onde ele estava e, de sopetão, tasquei-lhe um abraço apertado, por trás mesmo, cruzando os braços na altura da barriga do meu suposto irmão. O coitado cuspiu metade da água que bebia e engasgou-se com a outra metade, o que lhe avermelhou a face. Virou-se com um olhar misto de estranhamento e fúria (acentuada pela vermelhidão do engasgo). Eu desatei meus braços e, sob a expressão risonha do dono do bar, afastei-me como se nada houvesse ocorrido. Decepcionado. Não era meu irmão.

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Se a vida fosse inteiramente "normal" e "perfeita" em todos os seus movimentos, creio que ninguém suportaria viver.              
                            

domingo, 23 de janeiro de 2011

Ao Pôr do Sol

   

                         A Nino Cunha


Ao pôr do sol...
Na calmaria do entardecer,
Uma gota de saber;

E um derradeiro toque de pele
Pra formar você.

De uma turbulenta união.
Começando com o barro,
Cinco tentativas pra alcançar a perfeição.

Em seguida, o ferro e um imenso coração.
E sem perder tempo, um bronze com jeito de galego
Fazendo vira-lata virar gato estrangeiro.

E num dia de inspiração, o brilho da prata
veio dar alegria à vida ingrata.

Mas ao pôr do sol...
Na calmaria do entardecer,
Uma gota de saber
E um pouco de ouro pra formar você. 


                                                  Adão Cunha

                                                  28.07.2008 

Sonambulismo

O escuro me atrai
O corpo sempre vai
Mas a alma quer paz
O quê de bom tudo isso me traz?

Dias e noites a mais
Pra refletir sobre o que se faz
Quando o desejo soturno se sobressai

Luzes escuras
Rostos ocultos
Para um ser sem manuais

Vidas transadas no negro do cais
A beira de um vasto mar
De corais...

sábado, 22 de janeiro de 2011

Lente de Aumento

Tenho medo de altura e de mar.
Não sei nadar nem consigo ao menos boiar.
Sinto vontade de chorar quando sou repreendido.
Levo susto facilmente.
Tenho um universo paralelo particular imaginário. Nele, nunca estou em má situação.
Mania de comer as carnes mortas das pontas dos dedos.
Possuo uma terrível inabilidade para as coisas mais ordinárias e que vejo todos fazerem: assoviar (não sei); piscar o olho (também não); manter um olho aberto e outro fechado como que pra fazer mira de tiro (nada); fazer bola de chiclete (demorei muito tempo além do comum pra aprender e ainda hoje tenho dificuldade).
Gosto do catolicismo, apesar de conhecer parte da banda podre de sua história.
Entro numa espécie de transe quando ouço certas músicas em certas situações.
Detesto não ser entendido, detesto ainda mais não ser compreendido.
Começo muito, termino pouco.
Gosto da hora de dormir, é o momento de ser livre.
Esqueço muito facilmente de muitas coisas, mesmo importantes.
Leitura de livro é melhor que TV e internet.
Prefiro ficar sozinho, mas sou mais feliz quando bem acompanhado.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A Ponte

Estou, neste momento, cumprindo o rito de atravessar uma ponte. Da margem oposta não sei muita coisa. Me parece, aqui de longe, bem promissora. Mas a travessia é árdua e longa. Por que teria eu, logo eu, uma tranquila travessia? Me cercam muitas dúvidas, muitas incertezas. Sei que mudanças amedrontam, por isso estou com medo. Sei que muita coisa só depende de mim, mas há um bom tempo tenho perdido a confiança em mim mesmo. Quero reconquistá-la e acho isso bem possível. Ela está lá, na outra ponta da ponte. Sigo rumando e me seguro pra não cair na vala.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

E o verbo se fez bit!

Desconexas. Assim, ainda são, as intenções primeiras. O leve derramar dos grãos de areia irá ajudar a urdir minhas inquietações, que aqui pretendo expor. Desejo expurgar alguns demônios ao dividí-los com quem se sentir magnetizado. Nenhuma promessa deixarei para as futuras palavras. Nada sei do que constará neste espaço aberto. Ele me servirá como uma foz, onde desaguarei minhas angústias mais proeminentes, mas onde também espero plasmar minhas alegrias passageiras.